Do ICE

A descentralização das discussões sobre investimentos e negócios de impacto – que se restringiam em grande parte ao Sudeste do país – ganhou força em 2018. Uma das estratégias do Fórum de Finanças Sociais e Negócios de Impacto, realizado em junho deste ano pelo ICE, Impact Hub e Vox Capital, com vários apoiadores, foi a de mapear e incentivar a realização de eventos regionais sobre o tema Brasil adentro, ao longo do segundo semestre de 2018.

Embora o ecossistema de negócios de impacto tenha dificuldades similares em toda parte, as peculiaridades de cada região devem ser levadas em consideração. “Criar lugar para discutir, refletir e aprender sobre as especificidades dos negócios de impacto, suas nomenclaturas e desafios fora do eixo Rio – São Paulo, bem como tipos de investimentos existentes por localidade, foi a forma que encontramos para disseminar esta agenda e gerar oportunidades para que este tema se consolide como uma agenda nacional.” comenta Célia Cruz, diretora do ICE, que abriga a diretoria executiva da Aliança.

Com a chamada para que organições co-realizassem eventos na temática do fórum, o ICE recebeu propostas de 43 eventos, de 18 Estados. “Comunicamos todos para o campo e apoiamos 10 deles com R$ 10 mil cada. Aproveitamos estes eventos, também, para que os atores de outras partes do Brasil se unissem pelas recomendações da Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto.” explica Célia.

Parceiros unidos pelo impacto

Em Recife (PE), onde o Núcleo de Gestão do Porto Digital organizou o Fórum de Negócios de Impacto do Nordeste em novembro, juntamente com a Anpecom, o Cesar, o ITCG e a CESMAC, a conexão entre os atores foi tanta que o evento, inicialmente focado na capital de Pernambuco, acabou se transformando em regional. Pós-fórum, para manter vivo o espírito de colaboração, as instituições seguem juntas no Cacto – Coletivo de Impacto.

Jessica da Silva Leite, analista de inovação e novos negócios do Porto Digital, celebra a parceria com os outros organizadores, com quem se conectou durante a participação no programa de Aceleração e Incubação realizado pela Anprotec, ICE e Sebrae: “Em nossas trocas surgiu a ideia de promover um evento regional. E deu certo! Instituições que estão fisicamente distantes umas das outras, funcionaram como um time bem coeso na organização do evento. Logo percebemos que o movimento seria maior do que o Fórum. Construir o coletivo Cacto é uma forma de a gente continuar atuando para fortalecer o empreendedorismo de impacto dentro do Nordeste e a formação dessa rede é o melhor resultado que poderíamos ter.”

Na Amazônia, embora o campo ainda esteja se estruturando, já há articulação entre atores que demonstram grande engajamento, como a Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA), criada em 2017. Com o objetivo de liderar a construção de soluções inovadoras para o desenvolvimento sustentável na Amazônia com empresas e setor privado, a PPA reúne atualmente 14 instituições. Entre elas, o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (IDESAM), que responde por sua coordenação executiva e organizou o 1º Fórum de Investimento de Impacto e Negócios Sustentáveis da Amazônia (FIINSA), com apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e do Centro de Agricultura Tropical (CIAT).

“A Amazônia concentra 25% da biodiversidade do planeta, e ali está a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa no país. É um enorme patrimônio natural, climático e de biodiversidade, que é 60% do território nacional. Só vamos conseguir promover a conservação da floresta desenvolvendo uma nova economia, que seja substituta à economia do desmatamento. Esperamos contribuir para a conservação desse patrimônio também com o desenvolvimento de negócios de impacto”, explica Mariano Cenamo, co-fundador do IDESAM.

Além de promover o FIINSA, a PPA fez uma chamada de negócios de impacto em 2018, da qual quatro foram selecionados e receberam investimentos no valor total de R$ 1,1 milhão. Outros 15 negócios de impacto vão participar de um programa de incubação. A expectativa, diz Mariano , é ampliar ainda mais esses números com uma nova chamada de negócios, que será realizada em julho de 2019.

Entre os aportes proporcionados pela chamada para apoio a eventos regionais lançada pelo ICE, Impact Hub e VOX anunciado no Fórum Nacional, teve a concretização do 1º Encontro de Negócios de Impacto Socioambiental da UNISINOS, em Porto Alegre (RS). “A ideia de organizar um evento focado em negócios de impacto já estava no radar. Com a chamada que estimula que a co-organização dos eventos, uma comissão composta por membros da universidade e parceiros – Escola de Gestão e Negócios, UNITEC e Sebrae-RS – já envolvidos com o campo.” conta Aurélia Adriana de Melo, docente do Eixo de Empreendedorismo e Inovação e coordenadora do Pós-MBA em Gestão da Inovação na Escola de Gestão e Negócios da UNISINOS.

O evento teve como proposta reunir os interessados em investimentos e negócios de impacto, apresentar possibilidades e informar àqueles que não tinham conhecimento sobre o tema. A agenda do encontro de três dias apostou em atividades diversas, como o Prêmio Roser (para novos negócios de impacto), oficinas sobre o Modelo C e Avaliação de Impacto, e espaços de fórum sobre temas de interesse do segmento. “Esperamos ter sensibilizado os participantes e também assinalado a perspectiva de continuidade do trabalho em direção à organização de um ecossistema de impacto no Rio Grande do Sul”, comenta Aurélia, que é membro da Rede de Professores do Programa Academia do ICE.

“Foi bacana ver várias cidades fazendo esse movimento no segundo semestre. Isso é que muda o jogo, amplia o alcance.” conta André Menezes, da Baanko, que organizou o Fórum Mineiro de Investimento e Negócios de Impacto, aconteceu em setembro, em Belo Horizonte. Inspirado pelo trabalho do ICE no Fórum Nacional, ele comenta que há tempos desejava organizar algo semelhante em Minas Gerais, onde o ecossistema vem se organizando há cinco anos. “Hoje Belo Horizonte e o estado de Minas já rodam programas e têm vários players falando sobre o tema, como o Impact Hub, NaAção, Hub Social, Wylinka, TroposLab, Techmall e Orbi. Uma grande dificuldade nossa é ter acesso a eventos de qualidade, e o Fórum que realizamos vem para acelerar e ajudar nesse processo”, avalia.

Desafios

A dificuldade de obter investimento e a ausência de um bom pipeline são algumas semelhanças que as regiões guardam entre si, seguidas pela necessidade de qualificação técnica e presença de aceleradoras e incubadoras. No que diz respeito às peculiaridades regionais, os eventos criaram um espaço para discutir com profundidade seus desafios.

No Amazonas, dificuldades como infraestrutura, regularização fundiária, disponibilidade de crédito, de assistência técnica e a pouca presença de instituições essenciais para o desenvolvimento de negócios de impacto são apontados como os maiores desafios para o setor. Além disso, há grande dificuldade em concorrer com as atividades ilegais. “Um dos grandes desafios é viabilizar financeiramente negócios de impacto frente às atividades concorrentes, da economia do desmatamento. Principalmente a pecuária extensiva, praticada de forma tradicional, e a agricultura com produtos com alto impacto ambiental e baixo retorno social”, avalia Mariano Cenamo, do IDESAM.

Marcus Bessa, do Impact Hub Manaus, uma das instituições realizadoras do FIINSA, pontua que “Embora muitos dos negócios e estratégias apontadas ao longo do FIINSA digam respeito a iniciativas localizadas na própria floresta, há necessidade de alavancar também os negócios na área urbana”.

No Nordeste, Jéssica da Silva Leite avalia que faz falta o “sentimento” de rede no ecossistema de negócios de impacto na região, mas aposta que a construção coletiva para a realização do Fórum promoverá isso. A falta de conhecimento sobre o potencial da região é barreira a ser superada: “Temos empreendedores com histórias incríveis, muitas coisas realizadas, mas as pessoas não conhecem muito. Algumas têm um choque quando percebem que conseguimos trabalhar com inovação social. Mas eu estou bem otimista com a evolução do campo aqui. Já temos atores trabalhando, tanto na academia como empreendedores e organizações intermediárias, atuando no apoio a essa temática. Estamos em um processo de organização para mostrar essa força a outras regiões do país, e até mesmo para fora do Brasil”.

A conexão entre empreendedores e atores do campo regionais e investidores de outros estados, em especial do eixo Rio-São Paulo, também merece destaque segundo Jessica. O Fórum proporcionou esse momento, revelando aos investidores que há bons negócios em desenvolvimento no Nordeste. “Acho que a ideia nos próximos fóruns é trabalharmos para garantir a presença de cada vez mais estados do Nordeste. Nessa primeira edição tivemos predominantemente a presença de Pernambuco, Paraíba e Alagoas. É importante aumentar a quantidade de parceiros dentro da nossa região.”

Em Minas Gerais, uma articulação da Baanko com o Sebrae já leva a pauta dos negócios de impacto para pelo menos seis outras cidades. Para André Menezes, dar capilaridade ao tema por meio do trabalho com outras instituições é um desafio, mas deve ser também uma meta. “Trabalhamos com organizações de todo o tipo, buscando o desenvolvimento e o conhecimento dos negócios de impacto. Muitos negócios hoje estão se posicionando como de impacto, e há um crescimento das empresas B na região. Isso ajuda na proliferação da causa. Muita gente ainda confunde com filantropia, mas com o tempo e o amadurecimento do mercado, aos poucos as pessoas vão percebendo como funciona o campo. Precisamos focar em trabalhar com negócios, achar modelos autossustentáveis, e ser bem walk the talk para mostrar como é possível ser autossustentável e gerar impacto ao mesmo tempo.”

No Rio Grande do Sul, Aurélia Adriana de Melo, da UNISINOS, identifica que há uma forte tradição de soluções para problemas ambientais que mobiliza a população, mas que para questões sociais os atores governamentais ainda são vistos como a fonte das soluções. “Pensar na solução de problemas sociais na perspectiva de um negócio é uma mudança de paradigma que desafia a sociedade gaúcha. Nesse sentido, a proposta de organização e implantação de uma governança que articule atores estratégicos do campo é fundamental para acelerar o desenvolvimento do segmento no Rio Grande do Sul”, avalia a professora.

UNISINOS, PUCRS e UFRGS já têm esforços de colaboração para dinamizar a inovação. “Um ecossistema específico para finanças e negócios de impacto se insere nessa proposta, mas precisamos dar luz às especificidades desses negócios”, diz Áurélia, já antecipando os próximos desafios.