Em sua primeira edição, o Festival de Impacto e Inovação Social discutiu os horizontes de um governo Bolsonaro e perspecrtivas de fortalecimento do campo

Da AUPA

Entre os dias 2 e 7 de novembro, aconteceu em Poços de Caldas (MG) a primeira edição do Festival de Inovação e Impacto Social (FIIS). A semana reuniu organizações do terceiro setor, empreendedores sociais e negócios de impacto, investidores ligados a finanças sociais e grandes empresas para discutir ideias transformadoras que gerem impacto positivo na sociedade.

O evento também agregou o encontro anual da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais, o Congresso Sorriso do Bem, da Turma do Bem, e o Fórum Melhores Práticas para Saúde no Terceiro Setor, da Aliança Latina.

Foram seis dias de intensa programação e diversos painéis temáticos com a inovação social como fio condutor das discussões. Além de mutirões de atendimento oftalmológico e de saúde, música, artes e festas que movimentaram a cidade mineira.

Diversos foram os temas debatidos. Empreendedorismo feminino, oportunidades na base da pirâmide, empreendedorismo hi-tech, educação, água e saneamento, economia prateada e segurança pública foram alguns destes. Além disso, ocorreram laboratórios, oficinas, workshops e palestras inspiracionais com Jorge Forbes, médico psiquiatra e psicanalista, Ricardo Guimarães, da Thymus, e outros palestrantes.

Pelos painéis, palestras e workshops, o sentimento geral foi de incerteza. Dúvidas com o que está porvir no país e com os possíveis retrocessos no campo do desenvolvimento socioambiental diante da eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para presidente do Brasil. As falas dos social makers, no entanto, também demonstraram muita resiliência e um desejo de união e fortalecimento de suas causas.

Interesses e Desafios

O destaque da abertura foi para Valdeci Ferreira, da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac), vencedor do Prêmio Empreendedor Social da Folha de S.Paulo de 2017. Trata-se de um modelo alternativo ao sistema carcerário tradicional, criado no Brasil em 1972, que busca promover a humanização da execução da pena. Seu propósito é recuperar o preso, proteger a sociedade e socorrer as vítimas, reduzindo assim a reincidência no crime e os custos com a privação da liberdade. A entidade tem hoje sob o seu chapéu 48 unidades prisionais no país que, em média, apresentam índice de 20% a 28% de reincidência criminal, contra 85% entre aqueles presos que deixaram o sistema tradicional.

Durante a sua fala, o empreendedor enfatizou os principais desafios para escalar o modelo no país. “A indústria do preso cresce muito no Brasil. Há muitos interesses, são muitas corporações e pessoas que, de um modo geral, vivem e sempre viveram às custas da miséria dos encarcerados.” Outro aspecto citado foi a mentalidade da sociedade. “Temos um desafio enorme junto às comunidades. Precisamos mudar a lógica de que preso deve sofrer, que bandido bom é bandido morto, do preconceito em relação ao preso, e entender que preso recuperado é um bandido a menos na rua.

Meio ambiente em retrocesso

Outro tema de discussão nos paineis foi o horizonte da possibilidade de junção das pastas da agricultura e meio ambiente. Desde o resultado das eleições, anúncios desencontrados da equipe de transição do governo ora anunciavam a fusão das pastas, ora a negavam. O resultado disso, no FIIS, se traduziu em um clima de apreensão e inquietação.

Para Cláudio Pádua, do Instituto Ipê, “o problema não é juntar os ministérios, o problema está em subjugar de cara o papel do Ministério do Meio Ambiente. Nosso entendimento é de que o desenvolvimento ambiental é o desenvolvimento da economia. Precisamos compreender também que se hoje temos uma agricultura forte no país, isso foi fruto de muito investimento em pesquisa e ciência na área, via Embrapa. O jogo é desigual.”

Para Luís Fernando, do Imaflora, “mais do que nunca, o congresso é um espaço fundamental para ocuparmos e dialogarmos. Os governos, estados e municípios também são essenciais, assim como as alianças com empresas e o mundo dos negócios.”

Já para Marcel Fukuyama, da Dínamo e Sistema B, “a sociedade civil nunca foi tão relevante desde a redemocratização. Não há momento melhor para os empreendedores sociais. As empresas precisam sair da lógica velha de mitigar o impacto negativo e passar a gerar impacto positivo.”

Captação e doação

A semana do FIIS também discutiu novos arranjos e uma nova cultura de doação no país

Paula Fabiani, do IDIS, apresentou os dados do Brasil no World Giving Index 2018, ranking global de solidariedade medido pela Charities Aid Foundation (CAF). O país teve o pior desempenho já registrado, saiu da posição de número 75 e foi para o 122º lugar no ranking geral, que apresenta 146 países.

Outro dado de 2017, mostra que as famílias brasileiras mais pobres doam uma fatia maior de sua renda. Entre os doadores com renda familiar anual de até R$ 10 mil, a doação representa 1,2% da sua receita, enquanto a fatia com renda anual acima de R$ 100 mil doa 0,4%. Para responder ao desafio, o IDIS lançou durante o Festival a campanha “Cultura de Doação” com depoimentos de pessoas públicas e comuns para estimular a doação entre os brasileiros.

Luciana Temer, do Instituto Liberta, falou sobre o Movimento Bem Maior, idealizado pelo empresário Elie Horn, dono da incorporadora Cyrela. Recentemente, Horn declarou que doará em vida 60% de sua fortuna, o equivalente a R$ 3,6 bilhões. “Desenvolvemos uma plataforma digital para fazer match entre investidores e causas, vamos oferecer mais de 10 causas. Além disso, vamos criar editais para pequenos projetos de pessoas físicas que geram impacto. Queremos fomentar a cultura da doação e envolver outros milionários.”

Rodrigo Pipponzi, da MOL, ainda falou sobre o modelo de microdoações das publicações desenvolvidas pela editora, entre elas a Sorria, distribuída nas lojas da Droga Raia. “Ao longo de dez anos no mercado, já doamos mais R$ 25 milhões a 39 instituições, que trabalham com diversas causas.”

Investimento de Impacto

O painel trouxe um panorama dos investimentos voltados para a área socioambiental por meio de fundos e estratégias de family-offices.

Célia Cruz, do diretora executiva do ICE, destacou as oportunidades do setor para ampliar a democratização do investimento de impacto, como as plataformas de equity crowdfunding. A Kria, por exemplo, permite às pessoas físicas fazerem aporte pequenos, de aproximadamente R$ 2 mil, em negócios de impacto. Outro caminho apontado foram os bancos comerciais. Segundo Célia, clientes de alta renda dessas instituições já pressionam por produtos de investimento de impacto. Uma publicação do ICE, em parceria com o Itaú, traz cases de bancos internacionais que já têm esses produtos no seu portfólio.

Rodrigo Tavares, do Grupo Granito, apresentou dados que mostram o potencial de crescimento do setor no Brasil e no mundo. Segundo ele, os investimentos do mercado de capitais global são da ordem de US$ 85 tri e o de finanças sustentáveis corresponde a US$ 23 tri. O investimento de impacto é um dos 20 modelos possíveis de finanças sustentáveis e abarca apenas 1% desse segmento.

investimentos do mercado de capitais globais em finanças sustentáveis corresponde a u$ 23 trilhões. destes, 1% abarca investimentos em negócios de impacto – o que corresponde a u$ 230 bilhões.

Rodrigo Pipponzi, da editora Mol, complementou a visão do campo sob o olhar de um family office. Herdeiro das rede Droga Raia e Drogasil, o empreendedor contou como influenciou a família para repensar seus investimentos e colocar a lógica do impacto positivo dentro dos negócios de seus negócios. “Daqui um tempo vai ser antiético para a empresa pensar só em retorno financeiro”, opina Pipponzi.