De regularização fundiária a modelos de arquitetura sustentável, setor é repleto de desafios e oportunidades
Este é um conteúdo da série:
Empreendedores de impacto social criam modelos de negócios que, com sustentabilidade financeira, solucionem problemas sociais e reduzam desigualdades. Uma questão central nesse caso é a moradia digna. Como pensar em solucionar desigualdades sociais sem garantir que todos tenham direito a um lar com qualidade de vida?
Alguns números demonstram como essa questão é importante. Atualmente, um terço da população mundial mora em favelas ou assentamentos. De 2000 a 2012, o número de pessoas no mundo que vivem em situações precárias aumentou de 760 milhões para 863 milhões, segundo o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat). Apenas no Brasil, 40% dos domicílios são considerados insalubres. Esses e outros dados você pode conferir nessa matéria da Artemisia.
Além de tudo isso, a construção civil pode causar grandes impactos ambientais negativos, ao adotar práticas e métodos insustentáveis.
Os problemas relacionados à habitação constituem uma grande oportunidade para negócios de impacto socioambiental. E essa oportunidade tem sido aproveitada por empreendedores, que estão gerando soluções para a base da pirâmide e para pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Nessa matéria, você entenderá alguns dos problemas do setor, como a regularização fundiária e os déficits quantitativo e qualitativo de habitação. Entenderá o que é arquitetura sustentável e conhecerá novos métodos ambientalmente corretos que estão sendo adotados na construção civil. E conhecerá seis startups brasileiras que são casos de sucesso no setor. Boa leitura!
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[mks_accordion_item title=”Os problemas sociais do setor de habitação”]
O setor é complexo e seus problemas idem. Cada um exige um tipo de solução diferente e específica. Portanto, é preciso antes de tudo entender corretamente cada desafio. Vamos compreender alguns conceitos importantes.
Déficit quantitativo Vs. qualitativo
Os primeiros conceitos que devem ser entendidos são os déficits habitacionais quantitativo e qualitativo.
O déficit quantitativo é a falta de habitações para que todos tenham moradia. No Brasil, seria necessário construir aproximadamente 6,1 milhões de casas para solucionar esse problema. Já o déficit qualitativo se refere a moradias em condições precárias e insalubres, que impactam na qualidade de vida de seus moradores. Esse déficit atinge 15,6 milhões de residências no país. Os dados são da Fundação João Pinheiro e Ministério das Cidades, segundo esse artigo da Artemisia.
Regularização fundiária
Outro problema social nesse setor é o da regularização fundiária. O advogado especialista em direito imobiliário Bernardo César Coura explica, no site JUS Brasil, o que isso significa. Segundo ele:
“(…) é o processo que inclui medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais, com a finalidade de integrar assentamentos irregulares ao contexto legal das cidades”. (continue lendo)
Muitos brasileiros habitam ocupações irregulares, fato que costuma gerar conflitos com o poder público e especuladores imobiliários. Buscar maneiras de solucionar esse conflito de maneira pacífica, em uma relação ganha-ganha para todas as partes, é uma oportunidade no setor. No Brasil, uma startup que trabalha nesse sentido é a Terra Nova, sobre a qual você lerá mais abaixo.
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[mks_accordion_item title=”Arquitetura sustentável: novas tecnologias ambientalmente corretas”]
O empreendedor de impacto interessado em habitação também deve considerar processos ambientalmente corretos de construção. Para isso, recomenda-se conhecer a arquitetura sustentável. O objetivo é que as construções não apenas deixem de impactar o meio-ambiente negativamente, mas passem a contribuir com a sua conservação e restauração. Quer saber mais? Leia este artigo do Pensamento Verde.
Nessa sessão, vamos comentar alguns aspectos que podem ser considerados no planejamento de habitações sustentáveis.
Economia circular e uso de resíduos como matéria-prima
Em 25 de janeiro de 2019, ocorreu um rompimento na barragem do córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). Tragédia que gerou um grave desastre ambiental e comoção nacional e internacional.
Serviu também para levantar a questão: o que fazer com os rejeitos da mineração? Uma das possibilidades defendidas por especialistas é transformá-los em material de construção, como tijolos, argamassa e pavimentação. Essa matéria da BBC detalha os usos que esse tipo de rejeito podem ter na construção civil.
O que geralmente se chama de “lixo” pode ser considerado “riqueza”. E a transformação de resíduos em novas matéria-prima e produtos é o conceito-chave da chamada economia circular.
É possível encontrar muitos exemplos do uso desse conceito para se criar habitações sustentáveis, incluindo casas populares. Como a Casa Biológica, construída na Dinamarca com resíduos da agropecuária. Ou EcoDomum, casa de baixo custo construída com lixo plástico no México. No Brasil também encontramos exemplos desse tipo. Como a empresa italiana Presanella Building System, que recicla o plástico destinado aos lixões e o transforma em tijolos e outros materiais. E a Agreste Saneamento, que usa os resíduos gerados pelo tratamento de água em Alagoas para fabricar tijolos ecológicos.
E não imagine que esses materiais de construção são de baixa qualidade. Alguns deles são até melhores do que os tradicionais. Por exemplo, estudantes do MIT reaproveitam garrafas plásticas para fabricar um concreto 20% mais resistente e durável do que o convencional.
Outros materiais alternativos de construção
Além dos resíduos de todo tipo (da mineração à agropecuária), outros materiais alternativos e sustentáveis podem ser usados com sucesso no setor.
Por exemplo, o projeto B-Smart, financiado pela União Européia, produz cimento feito de beterraba e cenoura.Também é possível usar cogumelos para fabricar tijolos mais resistentes do que o concreto. Mais uma possibilidade é, no lugar de barras de ferro, usar bambu para reforçar o concreto, sem comprometer a estabilidade das construções. Ou então construir uma casa inteiramente feita de bambu, como foi feito por um designer nas Filipinas.
Impressão 3D: rapidez e baixo custo
Embora exista desde 1984, essa tecnologia começou a se tornar mais popular em anos recentes, conforme foi se tornando financeiramente acessível a pequenas e médias empresas. Também chamada de prototipagem rápida, a Impressão 3D permite criar um objeto físico com rapidez e precisão a partir de um modelo digital no computador. Entre as suas muitas possíveis aplicações, uma delas é literalmente “imprimir casas”. As grandes vantagens do seu uso são a rapidez para construir as casas e a redução no custo das obras.
Por exemplo, na Ucrânia a PassivDom, que adota essa tecnologia para produzir a maior parte das peças de pequenas residências sustentáveis, que são equipadas com painéis solares., possuem bateria que armazena energia solar e isolamento térmico, que reduz a necessidade de ar condicionado ou aquecedores. E o mais surpreendente: levam-se apenas 8 horas para imprimir uma casa inteira.
Já a startup americana ICON adota a tecnologia para imprimir uma casa de 60 metros quadrados em 12 horas. O protótipo já foi apresentado em Austin, no Texas (EUA) em março de 2018. Seu objetivo é construir 100 casas em El Salvador, para famílias de baixa renda, até 2019.
Energia renovável e eficiência energética
Investir em eficiência energética e fontes renováveis de energia é outro fator a ser considerado. Por um lado, contribui com uma economia de baixo carbono e a combater as mudanças climáticas. Por outro, ajuda a reduzir, e em alguns casos a zerar, as contas de luz das residências. Todo dia surgem novas tecnologias com esse fim. Vamos mencionar algumas aqui.
Uma tecnologia muito conhecida é o Solar Roof, da empresa americana Tesla. São telhas que produzem energia solar e são mais baratas do que as telhas tradicionais, além de se integrarem facilmente ao design da residência, sem causar poluição visual. O Solar Roof é integrado a uma bateria, para que a energia coletada durante o dia possa ser usada à noite.
Pesquisadores da Universidade Estadual de Michigan, nos Estados Unidos, desenvolveram um novo vidro transparente que gera eletricidade para residências. Basta colocá-lo na janela para que capte energia solar e abasteça a casa. Assim como o caso do Solar Roof, uma vantagem é não interferir na estética da residência.
Na Suíça, pesquisadores criaram o HiLo, um projeto de telhado de concreto com o potencial de produzir toda a energia de que uma residência precisa.
Designers australianos criaram o Ecokit, uma casa pré-fabricada com eficiência energética que pode ser construída por 2 pessoas em poucas semanas. É construída com painéis com isolante térmico, materiais ecológicos e equipado com energia solar. Casa similar, também desenvolvida por australianos, é a ArchiBlox, que produz mais energia do que consome.
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[mks_accordion_item title=”Casos de sucesso de negócios brasileiro de impacto social em habitação”]
Selecionamos seis startups brasileiras que estão atuando nesse mercado. Três delas se dedicam a solucionar o déficit habitacional qualitativo, oferecendo reformas para a população de baixa renda. Outras duas oferecem soluções sustentáveis para residências. Por fim, outra executa serviços de regularização fundiária para comunidades em ocupações ilegais.
Startups de reformas a baixo custo
Sediada no Rio de Janeiro, executa reformas habitacionais em comunidades de baixa renda, fornecendo assessoria técnica e mão de obra especializada. Adotam métodos de arquitetura sustentável como promoção da educação ambiental em favelas. O uso das soluções sustentáveis também reduz o custo total da execução das reformas, que pode baixar em até 30%.
Oferece serviços para famílias de classe socioeconômica C e D. Seu principal serviço é o de reforma expressa, no qual reformam casas com foco em torná-las salubres, assim melhorando a qualidade de vida das famílias que moram nelas. São reformas rápidas, de um cômodo, que levam de 3 a 6 dias para ficar prontas e custam de R$ 3 mil a R$ 6 mil, em parcelas que caibam no orçamento doméstico dos seus clientes. As reformas são feitas em casas do bairro Jardim Pantanal, em São Paulo, bairro em que mora o fundador da startup, o engenheiro civil Matheus Cardoso.
Sediada em São Paulo, essa startup similar à Moradigna planeja, executa e financia reformas de baixa complexidade e alto impacto social. Dessa forma, melhora a qualidade de vida da população de baixa renda que vive em condições insalubres.
São reformas de um cômodo por vez, que demoram em média 6 dias para serem realizadas e que podem ser pagos em até 12 meses, por um empréstimo feito a taxas de 2% ao mês. A operação financeira é feita sem burocracia dos bancos tradicionais, que não costumam atender esse público-alvo, que muitas vezes não tem documentação regularizada da casa. Até o momento, a empresa já executou mais de 1.000 reformas.
Startups de soluções sustentáveis para habitações
Sediada no Rio de Janeiro, a Insolar leva energia solar para a comunidade de Santa Marta. Isso gera um duplo impacto. O primeiro é o ambiental, ao fomentar a adoção de uma energia de fonte renovável. O segundo é o social, ao reduzir, ou mesmo zerar, a conta de luz das famílias atendidas, que são todas de baixa renda.
E como faz isso? A empresa instala sistema fotovoltaicos para corporações de todo o país e parte dos lucros é revertido para um fundo que subsidia a instalação de sistemas similares em casas, associações e pequenos negócios na favela.
A startup desenvolveu uma casa pré-fabricada inteligente de montagem rápida, que adota materiais recicláveis (como alumínio e MDF – Placa de fibra de média densidade, ou Medium-Density Fiberboard, no original), acessórios inteligentes e energia renovável na sua construção. No total, leva-se apenas seis meses para montar a casa, que é equipada com painéis solares, sistema de captação e reúso da água da chuva e um biodigestor que transforma lixo orgânico em gás para abastecer a cozinha e a lareira.
Desde 2001, esse negócio social trabalha para dar acesso ao título de propriedade aos moradores de ocupações irregulares, melhorar a qualidade de vida das comunidades que vivem em assentamentos precários e indenizar proprietários de terras em litígio.
A Terra Nova primeiro formaliza associações de moradores das terras ocupadas. O próximo passo é mediar a negociação entre a associação e o proprietário da terra, fixando um valor pelo metro quadrado. Então, cada família indeniza o proprietário de acordo com a quantidade de metros quadrados que ocupa no terreno. O valor das parcelas é definido de acordo com a renda familiar e elas podem ser pagas em até 10 anos. Uma porcentagem das parcelas é destinada à startup, que com esse valor consegue manter sua operação.
Dessa maneira, todos ganham: os moradores têm suas moradias regularizadas, os proprietários originais do terreno não perdem seu investimento e tudo é resolvido sem os costumeiros conflitos que ocorrem nesse tipo de situação.
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Tem uma startup que atua no setor e precisa de apoio? Entenda o que fazer
Se você precisa de apoio para o seu negócio de impacto em habitação se fortalecer e escalar, há algumas atitudes que podem ser tomadas.
Uma é apresentar o seu negócio à Kaleydos por meio deste formulário. A Kaleydos, iniciativa do Instituto Jatobás, é uma plataforma de investimento e desenvolvimento de soluções e negócios que contribuem com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Buscamos e selecionamos startups de impacto em estágio inicial, alinhadas a um ou mais ODS, com potencial de viabilidade e escalabilidade, impacto socioambiental mensurável e modelos de negócios inovadores. Saiba mais sobre nós aqui.
Outra é cadastrar a sua startup na Pipe.Social, a maior vitrine de negócios de impacto socioambiental do Brasil. Você ganhará visibilidade entre investidores, aceleradoras, marcas, fundações, governos, mentores, investidores anjo, mídias e potenciais parceiros.
Agora que você já sabe o caminho das pedras, mãos à obra!