Do GIFE

O ecossistema de finanças sociais – formado pelos negócios de impacto social, aceleradoras, fundos de investimento, financiadores etc. – tem ganhado mais iniciativas a cada ano, e, para que possa avançar, organizações que atuam no campo lançam estudos, publicações e materiais a fim de fortalecer e qualificar as práticas existentes e fomentar novas práticas.

O “GUIA 2.5 – Guia para o desenvolvimento de negócios de impacto” – elaborado pelo Instituto Quintessa, com patrocínio do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) e do Instituto Sabin e apoio do Finance for Good e parceria do PonteAPonte – que acaba de ser atualizado – mostra o avanço no setor. Na primeira edição, publicada em 2015, foram mapeadas 11 organizações que apoiam o empreendedorismo social do país, mostrando as diferenças entre elas e indicando qual é a melhor opção para cada negócio.

Na nova edição, publicada no final de 2017, o número chega a 30 organizações, com o mapeamento de 34 iniciativas (tendo em vista que uma mesma organização desenvolve mais de um tipo de programa/apoio aos empreendedores). Para chegar a essas iniciativas, o Instituto levou em conta quatro critérios: 1) A iniciativa tem foco explícito em negócios de impacto (na sua comunicação, posicionamento ou critérios de seleção); tem como foco principal o suporte ao desenvolvimento de negócios de impacto; é aberta para inscrição dos empreendedores; e é recorrente ou tem perspectiva de continuidade.

“O indício de que o setor está crescendo é o fato de que 20 iniciativas surgiram entre 2015 e 2017, sendo algumas de organizações já existentes e outras das seis organizações que foram criadas neste mesmo período, sendo quatro focadas em investimento e duas no desenvolvimento dos negócios de impacto. Percebe-se que as organizações já existentes diversificaram seu portfólio, oferecendo novas iniciativas para dar suporte ao empreendedor”, comenta Anna de Souza Aranha, diretora do Instituto Quintessa.

Na percepção de Anna, a partir da elaboração do Guia – que contou com um levantamento, aplicação de questionário e diversas entrevistas presenciais e virtuais com representantes das organizações – foi possível perceber um amadurecimento do campo. “Identificamos que as organizações refinaram a proposta de valor de seus programas, novas organizações surgiram e também começou a se formar um alinhamento em relação ao conceito de negócios de impacto”, ressalta.

Por meio do Guia, os empreendedores podem conferir o perfil completo e análise comparativa das organizações de apoio, compreender o suporte oferecido por cada uma delas, além dos diferenciais de cada organização, critérios de seleção e detalhes sobre seu funcionamento. No material, foram mapeadas instituições que oferecem programas de aceleração, de incubação, de fellowship ou de educação e pré-aceleração; desenvolvimento humano; investimentos de impacto socioambiental; membership; plataforma de impulso; movimento de Empresas B certificadas; e laboratórios de inovação.

“O material foi idealizado justamente com o objetivo de trazer clareza acerca do suporte existente para o desenvolvimento de negócios de impacto e facilitar a conexão entre empreendedores(as) e organizações do setor. Com isso, a ideia é empoderar o(a) empreendedor(a), qualificando sua decisão e facilitando o acesso ao suporte de que precisa, fazendo com que acessem as iniciativas mais adequadas para seu estágio de negócio e necessidades”, explica a diretora do Quintessa.

Avaliação na prática

Avaliar uma iniciativa, projeto ou uma organização é fundamental, e no campo dos negócios de impacto não poderia ser diferente. As avaliações podem ajudar os negócios a mostrar, de fato, seu impacto e, com isso, garantir a sua sustentabilidade, além, é claro, de aprimorar a sua atuação.

Mas, será que essa prática de fato acontece? Mais do que apenas o discurso, será que as instituições sabem de fato como avaliar e, mais do que isso, utilizar os resultados para avançar? Na análise de Daniel Brandão, diretor executivo da consultoria Move Social, a agenda de avaliação já é uma preocupação clara dos negócios de impacto, porém, grande parte está pouco estruturado para realizar avaliações.

“Como ocorre com qualquer iniciativa, há um esforço muito grande no início para colocar o negócio funcionando, estabelecer o modelo a ser seguido, o que demanda muita energia por parte dos empreendedores. Com isso, a avaliação ainda não encontrou um espaço adequado de dedicação de tempo dentro dos negócios. Além disso, para realizar a avaliação é preciso também algum tipo de investimento, e os recursos não estão disponíveis para tal nos empreendimentos”, comenta Daniel.

Segundo o especialista, o que dificulta também essa agenda avançar e se tornar uma prática mais concreta são alguns mitos criados em torno da avaliação. Um deles é a concepção de avaliação, como se fosse muito complexa e robusta e, por isso, inacessível a grande parte das iniciativas.

Foi justamente para desmistificar essas questões e buscar soluções mais acessíveis e viáveis para os empreendedores que a Move Social, a Artemisia e a Agenda Brasil do Futuro criaram o “Guia Prático de Avaliação para Negócios de Impacto Social”. O material busca responder e trazer caminhos para perguntas como: Quais são os principais conceitos em avaliação de impacto social? Por que e quando faz sentido avaliar? Como criar uma cultura de avaliação em um empreendimento social? Avaliação interna ou avaliação externa? Como devo me preparar para conduzir uma avaliação? Quais instrumentos podem ser aplicados “dentro de casa”? Quais são e como podem ser comparadas as diferentes metodologias e métricas de avaliação? etc.

Para tal, o guia conta com cinco capítulos: Por que avaliar?; Preparando o terreno; Sete passos para desenhar uma avaliação (passos de 1 a 4); Sete passos para desenhar uma avaliação (passos de 5 a 7); e Aprendizagem, decisão e comunicação. Para cada passo, o material traz exemplos de casos concretos, além de dicas de vídeos, sites, textos e exercícios.

Segundo Daniel Brandão, o processo de avaliação de um negócio de impacto não se difere de outras organizações, pois as formas e técnicas são similares. Porém, um elemento que os empreendedores podem se valer é aproximar, alinhar e unificar duas ferramentas: o Canvas – já muito utilizado pelos negócios de impacto – e a Teoria de Mudança. “Com isso, o negócio pode construir uma narrativa única capaz de mostrar que, se todas as condições foram preenchidas, terá impacto. Outro ponto central é o negócio estabelecer, desde o seu início, alguma forma de registro de dados, que será bastante válido a médio e longo prazo, facilitando a modelagem da avaliação”, comenta o diretor da Move.

Novas oportunidades para o setor

A gestão pública municipal enfrenta diversos desafios no atendimento à população e na gestão de processos internos. Tendo em vista esse cenário, e o fato dos negócios de impacto apresentarem soluções para problemas sociais e ambientais, eles podem colaborar para aumentar a efetividade dos serviços melhorando as políticas públicas.

Essa é a aposta da Força Tarefa de Finanças Sociais (FTFS), que tem feito esforços para mostrar aos gestores públicos as soluções inovadoras e comprometidas com resultados efetivos para a resolução de problemas sociais e ambientais que os negócios de impacto também podem trazer frente aos seus desafios.

Uma das ações então desenvolvida pela FTFS foi a elaboração do guia “Gestores municipais compram soluções de negócios de impacto”, realizado em parceria com a Oficina Municipal, com a proposta de informar, apoiar e conectar gestores municipais com as organizações de impacto e mobilizá-los para parcerias concretas.

“A maioria dos negócios de impacto visa promover a melhoria das condições de vida das populações mais vulneráveis e isso tem uma relação direta com as políticas públicas, que são as principais responsáveis por essa agenda. Assim, onde o Estado não tem atuado de forma tão eficiente, ou tem sido pouco inovador, os negócios de impacto podem complementar essa atuação com suas soluções. Porém, hoje, esses empreendedores têm uma dificuldade imensa de estabelecer estas parcerias, que passa pela falta de entendimento do gestor municipal sobre o problema que enfrenta, ou pela não compreensão da solução proposta pelo empreendedor, tendo em vista que muitas vezes a tecnologia e o modelo são muito inovadores, ou pelas próprias amarras da legislação atual que dificulta a compra das soluções”, explica Diogo Quitério, gestor de programas do ICE e um dos responsáveis pela elaboração do guia.

Sendo assim, a proposta da publicação é justamente apresentar aos gestores, o ‘universo’ dos negócios de impacto e de que forma eles podem ser parceiros no enfrentamento dos problemas diários para atender a população em áreas como saúde, educação, moradia etc., assim como nos próprios desafios internos na gestão de informação e de dados, na prestação de contas, no contato com a população, entre outras questões.

O conteúdo do guia partiu de reflexões e sugestões obtidas em dois workshops que reuniram prefeitos, secretários municipais, técnicos, especialistas em gestão pública, aceleradoras e incubadoras e empreendedores. Foram realizadas também entrevistas com empreendedores e organizações que atuam com o setor público, como CIEB (Centro de Inovação para a Educação Brasileira), Sebrae e Deloitte.

A publicação traz, além do conceito de negócio de impacto e as soluções que eles podem proporcionar, informações sobre o papel do governo no fomento aos novos empreendimentos, que pode ocorrer de três formas: 1. Como Comprador de produtos e serviços provenientes de negócios de impacto; 2. Como Regulador: buscando um ambiente legal favorável à alocação de capital em investimentos que tenham impacto socioambiental, parcerias público-privadas de impacto, proteção a investidores, etc; e 3. Como Fomentador: promovendo o empreendedorismo social, aceleração e incubação de negócios e avaliação de impacto.

Além disso, o guia apresenta casos bem-sucedidos, como a da Magnamed, empresa especializada em produtos para ventilação pulmonar para UTI, transporte e emergência, que atua em parceria com a prefeitura de Recife (PE).

O material destaca que, entre os pontos bem sucedidos do processo e relacionamento com a gestão municipal, estão questões como: concretização da missão do negócio pela geração de impacto positivo na vida do cidadão; aprendizado sobre políticas públicas para que os governos possam entender a importância de impacto da solução proposta; aprendizado sobre novo modelo de negócios (B2G – Business to Government – negócios que vendem para o governo) tendo o governo como cliente; entre outros. Já os pontos críticos e desafiadores neste relacionamento estão:  burocracia na comprovação da inovação nos casos de dispensa de licitação; processos de transição de gestores públicos gera instabilidade (e possível descontinuidade) da solução; ausência de processos que facilitem ou agilizem a renovação de contratos; etc.

O guia apresenta também oportunidades, legislações e traz referências para ampliar o repertório sobre o tema. Diogo Quitério ressalta que há muito espaço e oportunidades para ampliar a parceria entre governos e negócios de impacto. “O primeiro passo é justamente o gestor se encantar com a solução para, depois, incentivar sua equipe a descobrir a melhor forma de realizar a contratação. Há uma ampla discussão sobre a revisão da lei 8.666 e de como torná-la mais flexível para trazer aspectos de inovação e isso, com certeza, pode beneficiar o campo”, comenta.

A proposta da FTFS para este ano é promover, em parceria com organizações focadas em gestão pública, encontros com consórcios municipais e prefeitos para apresentar aceleradoras, empreendedores e novos negócios, a fim de fomentar mais iniciativas no campo e ampliar essa aproximação. A partir dos novos conhecimentos gerados, a expectativa é atualizar o guia para que ele possa ser, cada vez mais, um material de referência e apoio nesta relação entre gestão municipal e negócios de impacto.

Participe

No próximo dia 23 de janeiro, o GIFE promove o quarto debate online da série que antecede o X Congresso para discutir sobre: “Negócios de impacto social: tendências futuras”. A proposta é debater sobre as perspectivas e possíveis tendências para a atuação do investimento social na agenda dos negócios de impacto para o ano, além dos principais dilemas e desafios que envolvem a interface entre esses dois universos. Clique aqui para se inscrever.