Do ICE
A existência de múltiplos e variados mecanismos de financiamento e investidores é fundamental para dar conta da pluralidade de perfis de negócios de impacto.
Nesse sentido, a estratégia de blended finance surge como possibilidade interessante, que reflete como essa diversidade de tipos de financiamentos pode se unir num desenho favorável, capaz de viabilizar os negócios em seus diferentes estágios de desenvolvimento. Filantropia e investimento se unem nesse mecanismo para dar suporte à estruturação e ao funcionamento dos negócios de impacto. Recursos vindos de doações realizadas por fundações, institutos e organizações em geral, ligadas ao investimento social privado, garantem a estruturação inicial dos negócios para que investidores menos afeitos ao risco possam, num segundo momento, trazer aportes de capital.
Um modo fácil de entender o mecanismo é olharmos para o processo de estruturação da securitização (transformação de créditos em títulos, as debêntures) da Vivenda, startup de impacto social que oferece reformas profissionais para famílias que vivem em condições de vulnerabilidade em comunidades de baixa renda em São Paulo.
O negócio da Vivenda parte do pressuposto de que melhorias na habitação geram impactos positivos em diversas dimensões das vidas das pessoas. Do diagnóstico veio a conclusão de que há um déficit de adequação de domicílios muito grande, e que embora o mercado de reformas traga oportunidades, é ainda pouco explorado.
Para implementar a securitização de créditos financeiros e oferecer uma opção de crédito adequada À realidade dos clientes da Vivenda, foi emitida, em janeiro deste ano, a primeira debênture social do país, composta por duas séries/cotas: a mezanino, por meio de oferta privada, e a sênior, mais restrita e de oferta pública. A primeira, que representa 40% do total, foi assegurada por investimento filantrópico. É uma série de maior risco, que sofre as primeiras perdas em caso de inadimplência e o pagamento das debêntures ocorre apenas após o pagamento para a categoria sênior. A cota sênior, por sua vez, tem distribuição pública com esforços restritos, e o pagamento das debêntures ocorre primeiro.
A operação é uma estrutura de funding inovadora, executada e financiada por um pool de organizações com diferentes funções e expertises, coordenadas pelo Grupo Gaia e pela Din4mo. Foram captados R$ 5 milhões, o que permitirá a realização de cerca de 8 mil reformas nos próximos cinco anos, beneficiando 32 mil pessoas. Como os investidores só começarão a ser pagos após o sexto ano, as parcelas pagas pelas famílias durante os cinco primeiros anos financiarão novas famílias e converterão o valor captado em R$ 40 milhões para reformas, e desses, quase R$ 30 milhões permanecerão nas próprias comunidades, incluindo renda gerada para pedreiros e compra de materiais de construção, gerando impacto econômico e social.
O lugar do investimento social privado em blended finance
A categoria mezanino cria uma espécie de amortecimento para a operação, dando mais segurança a investidores profissionais e mais atratividade para o financiamento. Uma das organizações que entrou nessa categoria foi o Fundo Zona Leste Sustentável (FZLS), cuja finalidade é a promoção do desenvolvimento sustentável na Zona Leste da cidade de São Paulo.
Dentre as atividades previstas para realizar sua finalidade social está a de mobilizar, articular e qualificar investimentos de pessoas físicas e jurídicas dentro do propósito do desenvolvimento da região. Assim, uma associação sem fins lucrativos como o FZLS pode exercer atividades meio, como a realização de investimentos, subscrição de títulos, entre outras, para gerenciar recursos que serão aplicados em sua atividade fim.
“A entrada de capital filantrópico nessa área de negócios de impacto é algo novo. Aconteceu muito debate interno entre nós no FZLS, a equipe estava acostumada com filantropia e o entendimento de que as coisas podiam estar casadas demorou um pouco a vir. O processo começou a ser construído em 2015, mas o investimento mesmo saiu no começo deste ano”, conta Greta Salvi, do FZLS.
O Fundo surgiu dentro da Fundação Tide Setubal, como projeto para fomentar empreendedorismo e apoio a microempreendedores na base da pirâmide, e em 2014 ganhou CNPJ e independência, com a vocação de ser um fundo comunitário com diversidade de investidores.
De 2010 a 2017, o FZLS realizou cinco editais de apoio a empreendedores da Zona Leste. “Apoiamos 37 empreendedores com capacitação e apoio financeiro, em negócios de costura, gastronomia, bem na base. Quando o apoio ao Vivenda começou a ser desenhado em 2015, e veio a se concretizar em 2017, começa um novo momento para o Fundo, um investimento em um negócio de impacto que tem relevância. Levamos para a Zona Leste, para, de fato, oferecer uma solução para um problema que é muito real naquele território”, diz Greta.
Antes mesmo do FZLS se estruturar, a moradia sempre foi uma grande questão para a Fundação Tide Setubal. Em certo ponto, a organização começou a identificar como a questão é problemática e o quanto o lugar onde as pessoas moram é importante. Foram realizadas cerca de 80 reformas por meio de filantropia. Mas gerir reformas não é o foco da Fundação. Assim, a possibilidade de encontro entre o programa Vivenda e o Fundo Zona Leste Sustentável foi muito feliz. Hoje o Vivenda tem uma loja no Jardim Lapenna, em São Miguel Paulista.
Para saber mais sobre a relação entre investimento social privado e negócios de impacto, clique aqui e conheça o trabalho do grupo Fundações e Institutos de Impacto (FIIMP), criado para experimentar diferentes instrumentos financeiros, conhecer organizações intermediárias e acompanhar resultados de investimentos de impacto socioambiental.