Do ICE
“O povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe”. A frase do cantor e ex-ministro da Cultura tomou conta do auditório e gerou um burburinho, quando Saulo Barreto, co-fundador do Instituto de Pesquisas em Tecnologia e Inovação (IPTI), falava sobre como inovar em territórios com populações da chamada base da pirâmide. “É preciso levar para o território elementos que possam impulsionar o desenvolvimento humano, mas, entendendo também as dinâmicas invisíveis ali presentes”, completou. Sua participação foi um dos destaques do primeiro Seminário de Inovação Social – Semeando diálogos e ideias, realizado em São Paulo no último mês.
Organizado pelos Institutos Jatobás e Sabin, com realização da Mobiliza Consultoria e SenseLab, além de apoio do GIFE, da Fundação Salvador Arena da TOTVS, do Instituto Desiderata e do Pé de Amora, o evento reuniu representantes de diversos setores para discutir o que é inovação social, como ela acontece no campo e os desafios para garantir a sustentabilidade financeira de iniciativas que vão na linha da experimentação.
Saulo, que foi um dos participantes do painel de abertura, apostou uma definição. “Trata-se de um conceito baseado em pilares simples: a solução tem que nascer junto com a comunidade, ela é parte da pesquisa. Existe uma relação de confiança que precisa ser construída. O segundo é que ele tem que resolver um problema. E o terceiro é que precisa ser escalável. Sem esses pontos não existe tecnologia social.”
Louise Pulford, diretora da Social Innovation Exchange (SIX), trouxe para o encontro um olhar externo. Pontuou como o tema da inovação tem aparecido em diferentes ecossistemas na América do Norte, Europa e Ásia. “Eu sei que a conversa aqui é muito mais sobre o cenário brasileiro, mas quero contribuir com algumas reflexões a respeito de nosso trabalho global com inovação social. Acredito que a principal questão sobre a inovação social é ela desenvolver nossa capacidade de criar ideias para melhorar o mundo. Nesse sentido, estamos falando de relações, de conhecimento e de trocas de experiências para atingir mudanças sociais. Trata-se de facilitar conversas com propósito.”
A consultora destacou a importância da sistematização de práticas e da geração de conhecimento. Para ela, as descobertas de processos cooperativos não podem ficar estancadas dentro de universidades, institutos e fundações. O que difere inovação social dos processos clássicos de inovação de produtos e serviços é o compromisso com o bem público. Para ela, soluções exitosas devem ganhar escala ou chegar como informação a outros ecossistemas para inspirar novas ações transformadoras.
Narrativas, cooperação e geração de conhecimento
Muito mais do que encerrar qualquer discussão, o evento sinalizou o compromisso dos organizadores – e um convite que se estendeu aos participantes – em provocar ideias e catalisar forças para empoderar experiências inovadoras no Brasil, sejam elas encampadas por institutos e fundações empresarias, universidades e centros de pesquisa, empresas ou negócios de impacto.
Segundo Fábio Deboni, gerente executivo do Instituto Sabin, o exercício de pensar e organizar o seminário levou em consideração algumas narrativas. “Uma delas era a inovação social como a mesma coisa que empreendedorismo social ou negócios de impacto social. A outra era o fato de que o conceito está muito vinculado apenas ao campo do terceiro setor, como sendo um território das organizações da sociedade civil. Essas são narrativas que também compõem o espectro da inovação social, mas o conceito não se resume a elas.”
Assim, a dinâmica do encontro foi toda pensada em encontrar sinergias, em buscar os pontos de ligação entre diferentes tipos de empreendimentos. “Escalar envolve mudança de ângulo. É preciso reconhecer que você não sabe tudo e também é importante compartilhar com os outros, já que o processo de escala envolve reflexão e troca de experiências entre pares. Escalar não significa aumentar quantitativamente, significa aumentar qualitativamente e ter um impacto mais profundo”, avaliou Graziella Comini, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Mirela Dominich, diretora da Ashoka, deu o tom da importância do movimento que estamos vivendo. “A grande tendência agora é a cocriação, o ato de sentar todo mundo junto para pensar inovação social e como potencializar isso. A inovação está onde as questões sociais mais urgentes estão. As pessoas da favela não são só beneficiárias. Elas são protagonistas. Precisamos virar a chave, mudar o lugar da discussão e a cor da inovação social. Devemos pensar em como dar oportunidade igual para as pessoas equilibrando as diferenças que existem.”
Além do painel da abertura e da plenária final, o dia foi recheado de mesas de debates com casos práticos, como os da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), do Instituto Geledés, da Coca-Cola e da Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto, representada na ocasião pela diretora-executiva do ICE, Celia Cruz.
Todo o conteúdo foi sistematizado pelo Estúdio Cais, que é responsável pela criação de uma publicação que será compartilhada até o final do mês como memória do evento. Seguindo a toada do encontro, a proposta não é cravar conceitos, mas compartilhar boas experiências, inspirar reflexões e propor caminhos para fortalecer o campo a partir de práticas inovadoras de investimento social.
A publicação será lançada até o fim de outubro e estará disponível no site do seminário.