Entenda como a empresa de energia dinamarquesa Ørsted vem transformando seu modelo de negócio, ao deixar a energia “suja” dos combustíveis fósseis para se tornar líder mundial em energia eólica offshore

Da Página 22

Mais e mais organizações ao redor do planeta estão se dando conta do enorme impacto ambiental e social de suas operações. Algumas optam por introduzir as chamadas mudanças incrementais, que até melhoram parte de seus processos, mas nem sempre vão ao cerne do problema da sustentabilidade. Outras encaram de frente o desafio, que em geral envolve visão de longo prazo, e o entendem como oportunidade de negócio. Inovam e se reinventam tendo em foco operações mais sustentáveis. Esse é exatamente o caso da Ørsted, a maior empresa de energia dinamarquesa, com 5.638 funcionários (final de 2017), que na última década vem transformando completamente seu modelo de negócio.

A mudança é tão significativa que em 2017 a direção da organização resolveu até trocar de nome. Até então, a empresa era conhecida como DONG Energy (Dansk Olie og Naturgas A/S). Em novembro de 2017, passou a se chamar Ørsted. O nome DONG, segundo a organização, não estava mais alinhado ao foco do negócio da empresa. O nome Ørsted é inspirado no cientista dinamarquês Hans Christian Ørsted (1777-1851), que descobriu que as correntes elétricas podem criar campos eletromagnéticos.

O foco da grande virada da Ørsted é seu principal produto: energia. Desde 2006, a empresa tem deixando pra trás a energia “suja” para focar na chamada energia green. Ou seja, está eliminando gradualmente a produção de energia por meio da queima de carvão e gás natural para se tornar uma das líderes na produção de energia (renovável) eólica. O setor de combustíveis fósseis é o líder das emissões de dióxido de carbono (CO2) no mundo, principal gás do efeito estufa. A queima de carvão, gás natural e petróleo para gerar eletricidade ou aquecer equivale a 25% das emissões de todo o mundo (IPCC, 2014, baseado em emissões globais de 2010).

Quem toma a decisão

A decisão, como explica Filip Engel, diretor de sustentabilidade e branding da Ørsted, foi tomada pelos gestores da empresa há cerca de 10 anos, que compreenderam o tamanho do impacto desta indústria no aquecimento global e, portanto, a urgente necessidade de mudança.

“Os gestores tinham clareza e sabiam que essa era a direção a seguir,” afirma Engel.

A jornada, é óbvio, não é linear, e envolve muitas conversas. Nesse caso, o comprometimento da liderança em seguir na direção combinada fez a diferença.

A partir disso, a empresa vem gradualmente reequilibrando suas operações, fechando as centrais movidas a carvão e substituindo o carvão e o gás de outras usinas por biomassa de origem mais sustentável, além de investir nos parques eólicos. Em 2009, anunciou a meta de redução da emissão de CO2 em 50% até 2020, tendo 2006 como ano base. De 2006 a 2016, a organização aumentou a geração de energia green de 13% para 64%. Em 2017, a empresa anunciou sua nova meta: redução das emissões de CO2 em 96% até 2023.

Em setembro de 2018, inaugurou o maior parque eólico do mundo no Mar da Irlanda (faixa do oceano Atlântico localizada entre a Grã-Bretanha e a ilha da Irlanda), com capacidade 659 megawatts, energia capaz de atender a quase 600 mil casas no Reino Unido. O parque tem 145 Km2 no oceano, o que equivale a quase o tamanho do principado de Liechtenstein.

Atualmente, os parques eólicos da Ørsted têm capacidade para gerar energia para mais de 12 milhões de pessoas. Até 2025, a empresa planeja atingir uma capacidade de geração de energia para 30 milhões de pessoas.

O desafio da construção

Um dos maiores desafios do processo de mudança, de acordo com Engel, foi construir algo que ainda não existia na época em que a meta foi definida. “As opções de tecnologia green – energia solar, eólica – eram bem limitadas, pois estavam disponíveis na época em pequena escala.” Depois de estudar todas as opções, a energia eólica offshore foi a escolhida. A partir daí, a empresa tem trabalhado para desenvolvê-la em escala industrial.

Hoje, a Ørsted desenvolve, constrói e opera parque eólicos offshore, usinas de bioenergia e soluções inovadoras de geração de energia a partir de resíduos, e fornece produtos de energia inteligente para seus clientes. A organização atua na Dinamarca, Suécia, no Reino Unido, Alemanha e Holanda. Está expandindo seus negócios para os Estados Unidos e Taiwan.

O uso da biomassa, em geral, tem sido tema de debate, pois possui como fonte os produtos e resíduos da agricultura, das florestas e a fração biodegradável dos resíduos industriais e urbanos. Ou seja, pode contribuir para o desflorestamento e destruição de habitats, dependendo como for desenvolvido. No caso da Ørsted, a empresa declara que usa biomassa sustentável, ou seja, resíduos de madeira provenientes de sistemas que respeitam parâmetros ambientais e sociais.

A política de sustentabilidade da Ørsted também vem sendo atualizada e adaptada ao longo do caminho. Uma delas é a inclusão dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas em sua estratégia. Vale lembrar que os ODS foram definidos e lançados em 2015, bem depois de a empresa ter iniciado sua jornada de transformação. Engel explica: “Nós olhamos para os ODS e primeiramente verificamos quais eram os objetivos com os quais nosso negócio contribui mais significativamente. Os ODS 7 (Energia Acessível e Limpa) e 13 (Combate às Alterações Climáticas) foram os escolhidos inicialmente, e mais recentemente incluímos o Objetivo 8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico). De qualquer forma, seguimos a perguntar quais eram as outras áreas possíveis de impacto. E isso é apenas o começo. Continuamos nos questionando: O que fazemos é suficiente? Como podemos fazer mais?”

Dessas discussões, Engel conta que surgiu a necessidade de alinhar as metas de redução de CO2 a objetivos fundamentados pela ciência. A ideia era checar se a proposta de redução de CO2 era suficientemente robusta. A meta foi avaliada – e aprovada – em relação aos critérios propostos pela organização Science-Based Target Initiative, uma colaboração entre a CDP, (antigo Carbon Disclosure Project) o Instituto Mundial de Recursos (WRI), o Fundo Mundial para a Natureza (WWF), e o UN Global Compact (UNGC), que endossa as metas baseadas na ciência como forma de aumentar a vantagem competitiva das empresas em transição para a econômica de baixo carbono.

A empresa estima que sua meta de redução de emissões está 27 anos à frente se comparada com o cenário de 2 graus previsto para o setor de energia, projetado pela Agência Internacional de Energia.

Programas de sustentabilidade

Atualmente, a empresa conta com 20 programas que visam atender as três prioridades de sustentabilidade da organização, que são: (1) Buscando um mundo que funcione completamente à base de energia green; (2) Viabilizando crescimento sustentável; e (3) Assegurando integridade dos negócios.

Com a liderança do setor, Ørsted tem conquistado um papel relevante na redução de custos envolvendo a tecnologia: em 5 anos houve uma redução de 60% no custo da energia eólica offshore.

O impacto desta jornada de mudança também aparece nos resultados. A empresa fechou 2018 com um recorde em seu lucro operacional de 30 bilhões de coroas dinamarquesas (cerca de R$ 16,8 bilhões), um valor 33% maior do que o registrado no ano anterior. O lucro líquido foi de 19,5 bilhões de coroas dinamarquesas (R$ 10,9 bilhões), um aumento de 6,2 bilhões de coroas dinamarquesas (R$ 3,5 bilhões) em relação a 2017, e o melhor resultado da empresa na história.

A organização registrou ainda um aumento de ganho de 29% nas operações de energia eólica offshore em 2018 em comparação com o mesmo período do ano anterior. “2018 foi um grande ano para Ørsted. Entregamos o melhor resultado financeiro já alcançado e continuamos nossa implantação de energia green, atingindo 75% de energia green em nossa geração de calor e energia. Em escala global, a energia renovável crescerá rapidamente nos próximos anos. Estamos bem posicionados para participar desse crescimento significativo”, afirmou Henrik Poulsen, CEO da Ørsted.

*Dalen Jacomino é jornalista, consultora de sustentabilidade com mestrado pela Universidade Blekinge Institute of Technology na Suécia, e membro do conselho da organização não-governamental S2 Sustainability Strategies – The Natural Step Switzerland, na Suíça.


Foto: Parque eólico da Orsted/ Divulgação