Do ICE
O uso de dados tem pautado cada vez mais as estratégias de grandes corporações para desenvolver o consumo entre seus públicos de interesse. A quantidade de informação gerada por redes sociais, celulares, softwares, sensores e outras fontes é crescente. Entretanto, se as possibilidades resultantes do processamento e interpretação dos dados parecem ilimitadas, por outro lado ganha corpo o debate sobre limites éticos que deveriam contornar sua utilização, e a aplicação da ciência de dados e tecnologia para solução de problemas sociais.
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A amplitude de informações que permitem conhecer a real situação de uma empresa, no que diz respeito à enormidade de temas que a sustentabilidade engloba – meio ambiente, relações de inclusão, trabalho, governança, ética, combate à corrupção, compliance, consumo – muitas vezes torna difícil obter a visão de conjunto.
“Com o Big Data e a evolução tecnológica temos a possibilidade de obter e combinar informações sobre empresas e organizações a partir de uma grande diversidade de fontes, algumas mais fáceis de acessar e outras menos, como os relatórios de sustentabilidade e ferramentas de transparência das próprias empresas, a mídia especializada, as redes sociais etc. Cada uma dessas fontes tem limitações e riscos, mas o fato de poderem ser trianguladas aumenta muito a credibilidade sobre o desempenho das empresas.”, avalia Aron Belinky, coordenador do Programa de Produção e Consumo do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas.
O problema, segundo Aron, é que a grande base de métricas já construídas no âmbito empresarial para a questão da sustentabilidade não é compatível. Um volume tão grande de informações e uma troca tão intensa “acaba gerando muito calor e pouca luz, muito ruído e pouca clareza”, avalia Aron. “É preciso articulação entre atores, políticas, interesses, toda uma dinâmica que será reconhecida aos poucos.”
“Empresas estão vendo um potencial grande no Big Data, estão levando a sério e estão atentas à questão da sustentabilidade. Percebem o potencial enorme que ele vai trazer para melhorar a gestão e a transparência, e isso é visto mais como oportunidade do que como ameaça. Como lidar com isso, implicações éticas e tudo mais, vamos precisar ter muito cuidado”, avalia.
Uso de dados com propósito
Em texto publicado no jornal Valor Econômico em setembro deste ano – “O sentido da inteligência artificial” -, Ricardo Abramovay aponta que o Big Data traz a possibilidade de conhecer e acompanhar comportamentos sociais ao vivo, e que isso muda a forma e o conteúdo do conhecimento da sociedade: “Proteger os dados pessoais e, ao mesmo tempo, estimular que sua circulação e seu compartilhamento melhorem a qualidade dos laços sociais, a confiança e a solidariedade são objetivos que devem ser alcançados de maneira conjunta. Não podem ser tratados como um dilema ou o que os economistas chamam de trade-off”.
O movimento chamado Data for Good vem mostrando pelo mundo que a ciência de dados pode ser empregada por organizações que querem melhorar o mundo. Dentro desse contexto se encaixam conceitos como Tech for Good (tecnologia para o bem, em tradução literal), Data Philanthrophy (empresas apoiando organizações filantropicamente com seus dados), Data Science for Social Good, Open Data (tecnologia de dados abertos, já bem conhecida no Brasil) e tecnologia cívica.
Grandes referências mundiais apostam há tempos que inovação e tecnologia são fundamentais para a transformação social, tais como a Fundação das Nações Unidas – que tem usado dados no monitoramento do progresso dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – e o World Economic Forum com o projeto Technology Pioneers, que reúne empreendimentos imbuídos do propósito de causar impacto positivo no mundos dos negócios e na sociedade.
O Data for Good tem sua origem em 2011, nos Estados Unidos, com o lançamento do Data Kind, organização que conecta cientistas de dados com projetos de impacto social, permitindo que os dois enfrentem desafios humanitários juntos. Ao mesmo tempo em que ajuda organizações a tomarem decisões baseadas em evidências e aprimora sua alfabetização em dados, o Data Kind introduz cientistas de dados no movimento Data for Good, demonstrando o valor de suas habilidades.
Desde então o movimento vem se desenvolvendo pelo mundo, de modo não organizado, em diferentes vertentes. Carolina Andrade, cofundadora e diretora-executiva do Social Good Brasil, conta como estão construindo, juntamente com a Fundação Telefônica Vivo, uma comunidade de Data for Good no país: “O Data Kind é uma inspiração muito grande para o desenvolvimento do Data for Good no Brasil. Estamos fazendo algo semelhante, conectando ciências de dados com projetos de impacto social dentro das fundações e institutos ou fazendo a ponte com empreendedores sociais.”
O Social Good Brasil conduziu este ano um laboratório com institutos e fundações, com facilitação de Andrew Means, autor do Data Analysts for Social Good, plataforma criada em 2012 para oferecer conhecimentos e habilidades para profissionais de organizações sem fins lucrativos. Um segundo laboratório, dessa vez direcionado a negócios de impacto, cooperativas, coletivos e outros movimentos, será realizado a partir de novembro deste ano.
“Nos Estados Unidos o movimento se profissionalizou bastante, com o envolvimento de corporações no setor, trazendo novos produtos e consultorias de dados para impacto social como a Impact Lab e a Driven Data. Também aumentou o engajamento de empresas e organizações sociais que querem melhorar a sua gestão fazendo uso dos dados internamente. Hoje, estão em uma nova fase, que mira em um nível bem mais profundo de colaboração, de compartilhamento de dados entre as organizações e o setor, o que requer muita confiança”, avalia Carolina.
Sem perder a perspectiva global do movimento, Carolina comenta que no Canadá, por exemplo, as ações estão mais focadas em parcerias público-privadas. Um dos projetos citados por ela é o Power by data, que visa maximizar a disponibilidade e o impacto dos dados para o bem público.
“Já na Europa, a conversa é muito mais sobre privacidade em uso de dados para apoiar crises humanitárias. Na China, há um olhar sobre como a cultura de filantropia pode crescer também a partir do uso de dados e aumentar a troca entre pares para captação de recursos. E em alguns países da África o movimento quer potencializar a diversidade de vozes de atores sociais”, elenca Carolina.
Na América do Sul, completa ela, há um grande envolvimento de empresas tradicionais, empresas sociais e muito engajamento cívico e do movimento de cidades inteligentes.
Américo Mattar, da Fundação Telefônica Vivo, avalia que “no Brasil, a discussão sobre elaboração e uso de dados está posta, mas está longe de ter sido exaustiva. Somos uma fundação vinculada a uma empresa que tem um volume de dados importante, que tem feito investimento em inteligência artificial e análises preditivas, e já declarou sua disposição em devolver essa informação para nossos clientes em forma de serviços e outras contribuições para a sociedade. Para nós é importante puxar esse tema. ”
Como exemplo desse tipo de possibilidade, Américo cita um projeto que faz o monitoramento da poluição atmosférica na cidade de São Paulo a partir do deslocamento de usuários de celular. Essa conexão permite informar com antecedência as condições do ar.
“De uns cinco anos para cá, investimos muito em negócios de impacto, e sempre estivemos muito na vanguarda. Grandes empresas olham para os dados de modo a monetizá-los. Temos que oferecer isso aos empreendedores sociais para alavancar seus projetos”, afirma Américo. Ele destaca o empreendimento Barkus, cujo foco é ajudar jovens a alcançarem seus objetivos financeiros por meio de educação financeira e empreendedorismo. Quanto mais dados estiverem disponíveis sobre esses jovens, seus interesses e necessidades, mais adequadas serão as soluções oferecidas.
A parceria Social Good e Fundação Telefônica-Vivo propõe a construção de uma agenda no país para o movimento, com produção de conteúdo e encontros. Ao assinar a landing page do Data for Good Brasil, é possível acompanhar e participar de suas atividades.
A primeira ação concreta do movimento é um benchmarking, que será reunido em uma publicação e disponibilizado a todos os interessados no panorama do que está acontecendo no Brasil. Alguns perfis já traçados pelo Social Good Brasil incluem institutos e fundações, empresas com iniciativa de impacto social e ambiental, consultorias e empresas de dados, cientistas de dados autônomos, universidades, núcleos de estudo e cursos de tecnologia e ciência de dados. Também estão mapeados os intermediários, como o próprio Social Good Brasil, que oferecem apoio e formação para o ecossistema de inovação social e uso de dados no Brasil.
O desenho pensado para o movimento Data for Good no Brasil tem como um dos indicadores de sucesso a criação de conexões relevantes – e no futuro, automatizadas – entre os participantes da comunidade. Isso significa conectar interesses, causas e talentos comuns para criar novas oportunidades de colaboração, parcerias comerciais, ou não comerciais, entre os diferentes atores e tornar possível a criação de novas iniciativas de Data for Good no Brasil.
“Estamos falando também em como defender mais a relevância dos negócios de impacto para a sociedade, em como engajar mais pessoas no ecossistema. Porque os dados trazem evidência e constroem uma narrativa mais pragmática e inspiradora sobre isso”, avalia Carolina.
O sucesso do movimento Data for Good no Brasil, para Américo, vai acontecer com a ‘perda de controle’: “Queremos que outras fundações, institutos, empresas, organizações e governos comecem a olhar para esse movimento e se apropriem desses conceitos e modelos analíticos. Se todos começarem a usar informações quantitativamente e qualitativamente sobre mercados onde atuam, podendo melhorar problemas sociais a partir dos dados, atingiremos o sucesso”.