Do ICE

Desde que começou a se desenvolver, o campo dos investimentos e dos negócios de impacto vem crescendo e encontrando cada vez mais eco entre empreendedores, investidores e intermediários que acreditam na força da economia com propósito.

 “Os capitalistas buscam agora um propósito maior. Isso tem como resultado o impacto, e está canalizando uma nova revolução. Aqueles negócios que não têm impacto social não encontrarão investimento no futuro, diz Amit Bhatia, diretor-executivo do Global Steering Group for Impact Investment (GSG), na abertura do Fórum de Finanças Sociais e Negócios de Impacto, realizado em São Paulo nos dias 06 e 07 de junho.

O campo movimenta US$114 bilhões em todo o mundo, segundo relatório do Global Impact Investment Network. E a expectativa é que esse número dobre nos próximos dois anos. Na América Latina, esse valor é de US$ 1,2 bilhão, e no Brasil, US$ 186 milhões, segundo a Aspen Network of Development Entrepreneurs (Ande).

 O relatório 2017 da Aliança pelas Finanças e Negócios de Impacto (antiga Força Tarefa de Finanças Sociais) destaca a nova geração de adultos, os chamados millennials, para os quais o alinhamento do propósito pessoal às decisões de carreira, hábitos de consumo e escolhas de investimento já é consolidado entre praticamente todas as classes sociais. Estima-se que esse grupo, em todo o mundo, herdará nas próximas décadas cerca de US$ 30 bilhões, e os millennials estão mais propensos a investir em fundos cujo objetivo esteja ligado a impactos socioambientais positivos.

O Brasil se movimenta muito bem nesse campo. A terceira edição do Fórum de Finanças Sociais e Negócios de Impacto reuniu mais de mil pessoas, de diversas partes do país, para participar de debates e muita construção. Uma análise comparativa dos cenários do campo desde a primeira edição do Fórum, em 2014, mostra claramente essa evolução.

 Em 2018 participaram do evento 170 palestrantes brasileiros e apenas seis internacionais. Em 2014, foram 25 estrangeiros. Demonstração clara de como vem se construindo conhecimento e experiência no país sobre o campo.

Se em 2014 havia poucas opções de aceleração, hoje já vemos a entrada de novos atores. Atualmente já são 61 aceleradoras e incubadoras se capacitando para o tema no Programa de Incubação e Aceleração de Impacto desenvolvido pela Anprotec, Sebrae e ICE em todas as regiões do Brasil. Soma-se a isso o aumento do número de professores e de trabalhos acadêmicos relacionados a negócios de impacto, um investimento sensível na formação de novas lideranças. Juntam-se a tudo isso a diversificação de fontes e modelos de financiamento, o aumento de atores e a ampliação de ecossistemas que se integram ao campo.

Para Daniel Izzo, da Vox Capital, primeira gestora especializada em investimento de impacto no país, “o setor financeiro tem muito o que crescer no campo, mas se olharmos para trás, houve uma evolução muito grande. Do lado dos empreendedores, mudou radicalmente o nível de preparação e qualidade dos negócios que chegam até a Vox, e também o entendimento sobre o tema.Se antes as empresas não queriam nem nos receber, hoje elas correm atrás da gente.   

A variedade de modelos e possibilidades de investimento também é uma tendência em desenvolvimento no país. Impacto para todos, com modelos econômicos diversificados, que atendam à diversidade. “Plataformas de crowdfunding já permitem a ‘gente como a gente’ investir. Estamos numa era do crowd, de resolver tudo em multidão. Juntar todos os modelos e trazer todo mundo que pode ajudar a resolver, avalia Henrique Bussacos, da Impact Hub. “Estamos falando sobre construir uma nova economia, e para transformar precisamos do melhor de cada um. Não é só sobre o modelo que vai dar certo, mas é como transformamos nossos valores e hábitos e experimentamos o novo. Os negócios de impacto chegam para somar, como mais uma ferramenta. As organizações da sociedade civil devem continuar sua atuação, assim como as políticas públicas. As finanças sociais chegam para ajudar.”

Furar as bolhas e permitir a entrada e o desenvolvimento de novos atores nesse campo é fundamental para a continuidade dessa evolução. Célia Cruz, diretora-executiva do ICE, avalia que a entrada de grandes empresas é muito importante, pelo potencial de volume de capital que representam, trazendo uma mudança sistêmica. Ela aponta ainda a aproximação do investimento social privado, com a chegada de institutos e fundações ao campo, e a atuação do governo, “ator muito relevante, que traz sete ministérios, bancos públicos e uma estratégia nacional para o Brasil [ENIMPACTO]. Isso muda o jogo.”

O país foi um dos primeiros a integrar o GSG, espécie de ‘ONU do impacto social’, na definição de seu diretor-executivo. “O Brasil tem fronteira com praticamente todos os países da América Latina. Imagine se ele se tornasse uma espécie de portal de impacto para todo o continente! Criasse não só um país com impacto, mas um continente com impacto. O Brasil tem tudo para se tornar líder desse movimento na América do Sul”, diz Amit.

 O campo das finanças e negócios de impacto vem se tornando mais e mais relevante inclusive dentro do contexto da Agenda 2030 e para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Nesse sentido, não poderá haver um ecossistema de negócios de impacto em atuação isolada e apenas entre pares. Conexões, troca de experiências, diálogo e articulação entre atores de diversos ecossistemas são fundamentais para alcançar os ODS.

 A expectativa é que, a partir da convergência de agendas, seja possível construir um ecossistema mais resiliente, criando um círculo virtuoso com mais capital com propósito direcionado, mais empreendedores implementando negócios de impacto socioambiental e mais organizações intermediárias facilitando e qualificando a conexão entre investidor e empreendedor. Uma nova geração de profissionais atuando para gerar transformação e políticas públicas que estimulem e favoreçam o empreendedorismo socioambiental.

“Há dois anos participei do Fórum de Finanças Sociais e Negócios de Impacto, e saí incomodada por ver poucos negros à frente de negócios de impacto. Fui convidada para ajudar no processo de curadoria do evento desse ano, e vejo uma plateia mais colorida, diversa. Precisamos incentivar negócios de impacto que olhem para a base da pirâmide, no sentido de pensar em como desconcentrar narrativas e recursos, e em como aproximar as realidades. Não dá para continuar olhando mulheres e negros pelo olhar de público beneficiário. É preciso ter diversidade nas equipes dos negócios de impacto também, avalia Adriana Barbosa, do Instituto Feira Preta. “É imperativ otrabalhar lado a lado com as pessoas a quem se deseja beneficiar com o negócio. Primeiro porque é dessas pessoas que nascem as soluções mais assertivas, de resultado real. Segundo porque, hoje, os negócios de impacto social nascem de base para base. Esta é uma geração de empreendedores que entendeu e acredita em sua potência criativa e de transformação.

Do mesmo modo, vemos o governo avançando agora no desenho de instrumentos que possibilitem a implementação da ENIMPACTO, contribuindo para conferir mais qualidade e eficiência aos serviços públicos. “O contrato de impacto inverte a lógica atual. Ao invés de contratar e pagar somente pelo serviço, pagamos pelo impacto. O serviçodeve ser executado de modo mais eficiente do que o governo já faz,avalia Marcos Vinicius Souza, do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

“O movimento tem crescido por meio do apoio a novas ideias – que o capital pode ser usado para o bem – e as ferramentas que os países estão usando para expandir o mercado do investimento de impacto. É aí que uma revolução do impacto começará e esse movimento global será bem-sucedido: com valores compartilhados e a capacidade de experimentar e republicar o que funciona, todos podem contribuir, e contribuirão. De maneira parecida como o capital de risco lentamente começou a se difundir no fim da década de 1990 antes de aumentar no começo do século seguinte, previmos um avanço similar para o investimento de impacto, que se tornará ‘o novo padrão’”, avalia Amit.