Prática que tem ajudado startups a levantar capital passou a ter regras claras; segurança jurídica deve atrair investidores


Sobre Equity Crowdfunding:

Aqui no Kaleydos já abordamos este tema algumas vezes. Recomendamos os posts abaixo:

Entrevista: Marcel Fukayama, da Din4mo, explica como negócios de impacto levantam fundos com Equity Crowdfunding

Equity crowdfunding: entenda o que é


Originalmente publicado por João Vitor Chaves Silva no StartSe

O crowdfunding ou vaquinhas virtuais não são exatamente uma novidade, eu mesmo já fiz um no passado, e conheço vários casos no Brasil e no exterior de pessoas usando para os mais diversos fins.

Do lançamento de novos produtos até ajudar causas sociais, a prática está se popularizando a cada dia e já possui plataformas gigantes no Brasil como a Kickante e a Catarse.

Porém, uma modalidade um pouco diferente de crowdfunding começou a ganhar força em todo o mundo, é o equity crowdfunding, e recentemente a prática foi regulamentada de maneira oficial pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e passou a ter regras claras do que pode ou não pode.

O que é o Equity Crowdfunding?

Antes de mais nada, vamos explicar um pouco melhor o que do se trata.

Enquanto um crowdfunding ou vaquinha online tradicional oferece como recompensas para as doações feitas produtos e ou serviços (ou às vezes, somente um e-mail de agradecimento a depender do valor), no caso do equity crowdfunding, você recebe um pedaço da empresa para a qual está “doando”, ou no caso, contribuindo.

Como funciona?

Digamos que você tenha uma empresa em fase inicial e precise levantar capital, existem várias formas de se fazer isso, desde pedir ajuda a amigos e parentes, empréstimos no banco, investidores anjo ou VCs, e por fim, temos o equity crowdfunding, onde você oferece à diversas pessoas a chance de terem uma pequena parte da sua empresa, em troca de investimento.

Ou seja, ao invés de contribuir para receber algum produto ou serviço, você recebe “ações” da empresa.

Na prática isso permite que você capte dinheiro de forma mais simples, já que o investimento que cada pessoa precisa fazer é menor, e por investirem um valor menor, os investidores na média, podem se dispor a mais riscos, investindo em mais negócios.

Como estava sendo feito?

Quando analisamos o cenário no Brasil, temos algumas plataformas que se destacam, sendo a Broota a que provavelmente possui maior popularidade.

Até pouco tempo atrás, todo o processo era feito e organizado somente pelas plataformas, ficando em uma espécie de área cinzenta do mercado de investimentos.

E por trabalhar no mercado de investimento atualmente posso dizer com todas as letras: a falta de segurança é algo que espanta os investidores.

Então, tínhamos algo muito interessante e com alto potencial, mas que ainda não era tão atrativo para a maioria dos investidores, afinal, existia uma segurança jurídica bastante frágil para que eles colocassem seu dinheiro.

Não existia por exemplo, nada que os protegesse caso a empresa/startup que estava captando dinheiro, usasse o mesmo para um fim diferente do que foi explicitado durante a captação.

A regulamentação

instrução 588 da CVM veio para tentar preencher esse vácuo.

Enquanto me considero um grande crítico da enorme maioria dos casos de regulamentação estatal, esse foi um dos casos onde vi um case de política pública bem-feita.

O processo realizado em parceria com as plataformas atuantes, empreendedores, investidores, juristas e aberto para participação publica, deu origem a uma regulamentação que conseguiu – em um raro caso – se demonstrar acertada ao equilibrar segurança para quem investe, sem super complicar o processo para quem capta recursos.

Principais pontos

Apesar de extensa, a nova instrução é simples de ser lida e possui alguns pontos principais tanto para quem investe, quanto para quem capta, e claro, para as plataformas que atuam como intermediarias:

Para as plataformas

Nesse ponto as coisas são bem simples, a maior exigência que pode ser vista como um fator que dificulta o processo é a necessidade de as plataformas necessitarem de aprovação da CVM para atuar, mas é válido notar que estamos falando aqui de uma forma organizada de investimentos, e que basicamente, qualquer produto de investimento precisa dessa autorização.

Sobre o que é necessário para ser aprovada pela CVM temos um ponto potencialmente problemático: a necessidade social de 100 mil reais para que a plataforma seja aprovada.

Os demais requisitos se referem aos sócios fundadores da plataforma não terem problemas judiciais que os coloquem em uma posição de conflito de interesses, que potencialmente poderia prejudicar tanto, investidores, quanto empreendedores que usem a plataforma.

Para quem capta (empreendedores e startups)

Aqui temos uma série de regras que ficaram explicitas pela CVM, sendo as duas principais, a necessidade de a empresa já ser uma LTDA quando iniciar a captação (algo que já era cobrado por todas as plataformas atuantes), e sobre a destinação do dinheiro captado.

Agora, é legalmente proibido que os valores captados por meio do equity crowdfunding sejam usados para fins de investimento em produtos financeiros (ex: captar dinheiro para comprar ações de outra empresa, ou títulos públicos). Também não é possível usar os valores captados para comprar outro negócio.

De forma resumida, as regras não devem impactar ninguém que esteja em um estágio em que um equity crowdfunding faça sentido, sendo a abertura de empresa antes de captar o maior impeditivo (pois envolve custos), mas que pode ser resolvido facilmente, até pelo fato de que você teria que abrir a empresa de qualquer forma.

Para quem investe

Aqui tivemos poucas ou nenhuma mudança, sendo o único encalço, a necessidade do investidor se declarar como investidor qualificado, preenchendo uma ficha disponível no final da instrução publicada.

Novamente, nenhuma mudança relevante, já que essa já era uma exigência das plataformas. De forma resumida, se identificar como um investidor qualificado, significa que você entende os riscos de investir nesse tipo de negócio, onde existem poucas garantias e alta volatilidade. As mesmas regras são aplicadas para outros investimentos, como BDRs, e alguns fundos de investimento.

Potenciais problemas

Como irei abordar na parte final desse texto, vejo a instrução da CVM com bons olhos, porém o que ao meu ver é o seu melhor lado, também é potencialmente o seu maior problema.

A regulamentação deixa a imensa maioria dos aspectos a respeito das regras para captar recursos nas mãos das próprias plataformas, assim, em um cenário fictício em que somente uma exista, ela pode definir as regras para ajudar ou atrapalhar a quem bem quiser.

Porém, analisando os requisitos para a abertura de novas plataformas, vejo que caso esse mercado se prove interessante, a competição será feroz, visto o quanto temos de potencial de crescimento no mercado de investimentos no Brasil e em especial no de investidores de Statups.

Outro ponto que pode fazer algumas pessoas torcerem o nariz, é justamente a limitação dos potenciais uso do dinheiro captado.

Mas honestamente, não vejo isso como um problema, já que lendo as regras, nenhuma delas parece absurda, e somente visam garantir que as empresas estão levantando capital para usarem em si mesmas.

Comentários finais

De forma geral, após conversar com alguns amigos advogados, investidores, analistas e claro, outros empreendedores como eu, vejo a nova regulamentação com bons olhos.

Ela ao mesmo tempo que dá mais segurança para investidores, permitindo que mais dinheiro seja injetado no ecossistema de startups brasileiro, também é flexível, ao permitir que a maioria das regras continuem sendo estipuladas pelas próprias plataformas.

Além é claro, de não ter colocado grandes empecilhos para a criação de novas plataformas.

Dessa maneira, temos uma combinação de fatores muito interessantes, em que a criação de plataformas rivais, que ofereçam melhores condições para captar ou investir sejam criadas, dando maior dinamismo para o mercado.

É interessante notar que isso é praticamente o oposto do que acontece no mercado de capitais de modo geral, onde normalmente temos apenas uma ou duas bolsas de valores negociando empresas. No Brasil por exemplo, este “monopólio” pertence à Bovespa.

Isso permite que o mercado se adapte e se auto regule, forçando as plataformas a ficarem com uma parte menor dos investimentos e tratarem melhor tanto empresas quanto investidores. Agora é esperar e ver qual será o impacto real dessa nova regulamentação no mercado.

Photo credit: recreahq via VisualHunt /  CC BY-NC-SA