Entenda como o empreendedorismo periférico é capaz de reduzir desigualdades sociais e transformar realidades

O Brasil é um país de dados contrastantes: apesar de ser a oitava maior economia do mundo, é também o nono país mais desigual do planeta (os dados são, respectivamente, do FMI e da Oxfam). A riqueza gerada não chega a grande parte da população e do território nacional. Em especial, pouco dessa riqueza chega às periferias, que sofrem com precariedade de serviços públicos e privados e falta de oportunidades aos seus moradores.

Além de políticas públicas e de iniciativas do terceiro setor, as empresas privadas também devem fazer parte da solução desse cenário. É nesse contexto que surgem os chamados negócios de impacto periféricos. Ou seja, negócios de impacto surgidos nas periferias e fundados pelos seus próprios moradores que desejam transformar a sua realidade.

Como apontou o 2o Mapa de Negócios de Impacto, estudo conduzido pela Pipe Social, é possível notar um fortalecimento dos negócios de impacto da periferia, sendo uma tendência para os próximos anos. Esse fortalecimento se deve a empreendedores da periferia engajados em transformar a sua realidade com mecanismos de mercado, assim como a organizações de apoio, como a ANIP e a ADE Sampa, sobre os quais você lerá mais adiante.

Essa matéria foca principalmente em negócios surgidos nas próprias periferias, por empreendedores que geram impacto positivo nos territórios em que nasceram e cresceram. Mas também aborda negócios criados por empreendedores não periféricos que oferecem soluções para a base da pirâmide. Afinal, quando todos colaboram, os ganhos sociais e econômicos são maiores e mais duradouros.


Este é um conteúdo da série:

“+imPACTO: Negócios & Propósito. Conhecimento prático para negócios de impacto


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[mks_accordion_item title=”A periferia não é carente, é potente; e seus moradores são protagonistas da sua transformação social”]

A falta de acesso a serviços públicos e privados comuns em regiões mais nobres faz com que as comunidades sejam geralmente chamadas de carentes. Esse é um rótulo que tem sido rejeitado por empreendedores de impacto periféricos.

Para eles, a periferia é potente: tem um grande potencial de inovação, impacto e superação, potencial para transformar a sua realidade, gerar riqueza aliada a justiça social e melhorar a qualidade de vida de seus moradores.

Enxergar a periferia como potente leva a considerar os seus moradores como protagonistas da transformação social. As soluções para os seus desafios não precisam vir de fora. Afinal, é quem vive esses desafios no dia a dia que está mais capacitado para decidir que produtos, serviços e inovações sociais realmente podem melhorar a sua vida.

Como disse Marcelo Rocha, conhecido como DJ Bola, criador da ANIP (Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia), em entrevista para a Kaleydos:

“Ter a quebrada participando desse processo de desenvolvimento é algo, além de inovador, necessário para que se faça diferente e dê oportunidade e traga mecanismos que fortaleçam o desenvolvimento de empreendedores que são e estão nas quebradas”.

Ao mesmo tempo, isso não significa que o empreendedor de impacto da periferia deva se isolar em uma bolha. DJ Bola complementa:

“A intenção é que a quebrada faça junto com quem tem a intenção de promover o bem-estar das pessoas, independente de qual região venha, de que condição social veio”.

Mas sempre, é claro, com o morador e empreendedor da periferia no centro da inovação. O empreendedorismo periférico só gerará transformações duradouras e eficazes se a população das periferias for protagonista na criação de empresas que solucionem os seus problemas sociais e ambientais.

Assista a esse vídeo do Social Good Brasil, em que DJ Bola, d´A Banca, Monique Evelle, do Desabafo Social, e Matheus Cardoso, do Moradigna, falam sobre as especificidades do empreendedorismo de impacto na periferia.

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[mks_accordion_item title=”Negócios de impacto periféricos precisam de investimento e capital paciente”]

As comunidades são potentes e as boas ideias são abundantes. Mas ainda faltam investimentos para torná-las realidade. Por isso é importante ampliar a atuação de investidores em negócios de impacto especificamente da periferia.

No vídeo abaixo, a diretora executiva do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), Célia Cruz, explica o papel de atores como famílias de alta renda, fundações, fundos de pensão, agências de governo, empresas nesse tipo de investimento e os desafios do campo. Fala também da necessidade de capital paciente e de doações para investir em negócios que estão começando e que ainda demorarão a gerar retorno.

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[mks_accordion_item title=”Organizações de apoio”]

Existem organizações de apoio específicas para empreendedores de impacto da periferia, que entendem as suas necessidades específicas e ajudam a capacitá-los a gerar impacto social local. Conheça algumas delas.

ADE Sampa

A Agência São Paulo de Desenvolvimento é uma agência governamental que opera em colaboração com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho da cidade de São Paulo. Promove políticas de desenvolvimento que contribuem para: redução de desigualdades regionais, competitividade da economia, geração de emprego e renda, empreendedorismo, economia solidária e inovação tecnológica.

A agência tem um olhar para o empreendedorismo de impacto periférico. Lançou em abril de 2019 o programa de aceleração Vai Tec – Acelerando Empreendedor@s da Quebrada, com o objetivo de qualificar empreendedores com workshops, oficinas, palestras e mentorias especializadas.

Atualmente, está conduzindo o estudo Mapeamento de Empreendedores da Periferia de São Paulo, que pretende entender quem são os empreendedores e negócios que estão transformando a periferia paulistana e dando impulso à economia local. O mapeamento está sendo realizado em parceria com a Pipe.Social e o Quintessa, com patrocínio da Samsung.

ANIP

A Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia (ANIP) surgiu a partir da experiência d´A Banca, uma produtora cultural social do bairro Jardim Ângela, em São Paulo (SP). Seu programa de aceleração oferece aos empreendedores 8 meses de acompanhamento, workshops e mentorias, além de até R$ 20 mil de capital-semente para investir em seus negócios.

Outra de suas iniciativas é o Fórum NIP, evento que tem o objetivo de fomentar projetos, ongs, coletivos e negócios de periferia a gerarem impacto financeiro, social e ambiental positivo na base da pirâmide. Sua programação reúne diversos atores de diferentes segmentos de empreendedorismo de impacto para discutir experiências, tendências de mercado, inovação social, metodologias inovadoras, cases de sucesso e outros assuntos relevantes. Já ocorreram duas edições do fórum, em 2018 e 2019 (leia aqui como foi a segunda).

Favela Holding

Fundada por Celso Athayde, o grupo une várias empresas para ajudar a criar empregos na base da pirâmide e incentivar o empreendedorismo na favela. É a 1a holding social do mundo e conta atualmente com 25 empresas que, juntas, já impactaram mais de 1.000 favelas no país. Suas operações empregam, direta ou indiretamente, mais de 2.000 pessoas, 80% delas moradoras de comunidades. Saiba mais.

Vale do Dendê

Essa holding social foi idealizada pelo publicitário Paulo Rogério Nunes e é um centro de inovação em Salvador (BA). Seu programa de aceleração apoia e impulsiona o segmento da economia criativa de Salvador, especialmente nas periferias.

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[mks_accordion_item title=”Cases de negócios de impacto da periferia”]

Conheça alguns exemplos de negócios periféricos que são referência em diferentes áreas de atuação.

4YOU2: cursos de inglês acessíveis nas comunidades

Falar inglês é pré-requisito para muitas oportunidades profissionais. Contudo, nem sempre o ensino nas escolas públicas têm a qualidade desejada e escolas particulares costumam ter cursos proibitivos para a base da pirâmide. A 4YOU2 surgiu para preencher essa lacuna e oferece cursos de qualidade a preços acessíveis (a partir de R$ 79) a moradores de comunidades.

O modelo de negócio explica o custo acessível: todos os professores são estrangeiros interessados em um intercâmbio cultural que recebem uma bolsa-auxílio pelo período em que permanecem no Brasil. Ficam hospedados nas casas de alunos, os quais recebem uma ajuda de custo por isso. Esse modelo reduz os custos de operação da escola e ainda estimula o intercâmbio entre diferentes culturas e países, enriquecendo ainda mais o ensino.

A Banca: produtora cultural social de impacto

Surgida como um movimento juvenil em 1999, tornou-se pessoa jurídica em 2008, quando se posicionou como uma produtora cultural social de impacto, sediada no Jardim Ângela, na Zona Sul de São Paulo. Com base na cultura hip hop, desenvolve ações relacionadas à música e ao empreendedorismo juvenil nas “quebradas” para gerar transformação social.

Agência Solano Trindade: economia da cultura criativa

Sediada no Capão Redondo, a agência fomenta e fortalece a economia da cultura criativa na zona sul de São Paulo, por meio da produção e difusão da cultura popular. Suas atividades são as mais diversas: festivais culturais e gastronômicos, feira orgânica, rede de empreendimentos apoiados pela agência, espaço de coworking, entre outras. Tudo isso faz a economia local girar e se fortalecer e estimula outros moradores a empreender e transformar suas vidas. Outra de suas iniciativas é um banco comunitário, o União Sampaio, sobre o qual pode-se ler mais abaixo.

Avante – soluções financeiras para micro-empreendedores em regiões de baixa renda

Essa conhecida fintech brasileira oferece serviços financeiros a empreendedores que não são atendidos pelas instituições financeiras tradicionais. Atua, principalmente, na região Nordeste, inclusive em cidades que sequer têm uma agência bancária. A Avante concede microcrédito produtivo e orientado e meios de pagamento, assim facilitando muito a vida do empreendedor.

Banco Comunitário União Sampaio

Iniciativa da Agência Solano Trindade e atuante em São Paulo, no bairro Jardim Maria Sampaio, esse banco comunitário fortalece a economia local por meio de empréstimos à comunidade. São oferecidas duas linhas de crédito, pessoal e produtivo. O empréstimo pessoal é concedido é feito em Sampaio, uma moeda social aceita em mais de 100 comércios da comunidade. Destinado a pessoas  em situação de vulnerabilidade social, que precisam de dinheiro rápido para necessidades básicas, o banco não cobra juros sobre ele e nem consulta o SPC ou Serasa para concedê-lo. Já o empréstimo produtivo é feito em reais para que empreendedores invistam em seus negócios e cobram-se taxas muito abaixo das cobradas por bancos comerciais. Nessa modalidade, o banco não se limita a conceder crédito. Além disso, também presta apoio e consultoria ao empreendedor, funcionando como um “Sebrae da quebrada”.

Moradigna

Oferece serviços para famílias de classe socioeconômica C e D. Seu principal serviço é o de reforma expressa, no qual reformam casas com foco em torná-las salubres, assim melhorando a qualidade de vida das famílias que moram nelas. São reformas rápidas, de um cômodo, que levam de 3 a 6 dias para ficar prontas e custam de R$ 3 mil a R$ 6 mil, em parcelas que caibam no orçamento doméstico dos seus clientes. As reformas são feitas em casas do bairro Jardim Pantanal, em São Paulo, bairro em que mora o fundador da startup, o engenheiro civil Matheus Cardoso.

Programa Vivenda

Sediada em São Paulo, essa startup similar à Moradigna planeja, executa e financia reformas de baixa complexidade e alto impacto social. Dessa forma, melhora a qualidade de vida da população de baixa renda que vive em condições insalubres.

São reformas de um cômodo por vez, que demoram em média 6 dias para serem realizadas e que podem ser pagos em até 12 meses, por um empréstimo feito a taxas de 2% ao mês. A operação financeira é feita sem burocracia dos bancos tradicionais, que não costumam atender esse público-alvo, que muitas vezes não tem documentação regularizada da casa. Até o momento, a empresa já executou mais de 1.000 reformas.

Social Brasilis: educação para o protagonismo social

Essa startup do Ceará tem o objetivo de ajudar alunos a serem protagonistas sociais e a colocar em prática seus sonhos e projetos. Faz isso por meio de metodologias de ensino de empreendedorismo social e do uso positivo da tecnologia, em programas que ensinam os alunos desenhar, prototipar e realizar projetos e, assim, transformar as suas realidades.

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[mks_accordion_item title=”Saiba mais sobre empreendedorismo de impacto da periferia”]

Recomendamos as leituras das matérias e artigos abaixo:

A Banca – Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia (ANIP): a “quebrada” como protagonista da transformação social (entrevista)

Aceleradoras de negócios sociais apoiam empreendedorismo na periferia

Como ampliar as possibilidades de investimento em negócios de impacto da periferia

Desejo, necessidade, vontade? Por que empreender na periferia?

Empreendedorismo da periferia mostra como a empatia pode criar pontes e gerar transformações

“Eu sou sócio dos moradores da favela”

Falta de mobilidade afeta autonomia e vira armadilha para os mais pobres

Moradigna: negócio social transforma a periferia paulistana

“Negócios periféricos precisam de parceiros, não de porta-vozes”

Negócios da “quebrada” superam barreiras e transformam vidas

Periferia e investidores se aproximam em negócios de impacto social

Potência empreendedora faz periferia criar soluções, não ser só beneficiária

Serviços financeiros para a baixa renda são oportunidade para empreendedores de impacto social

Soluções inovadoras minimizam problemas de moradia da população de baixa renda

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Tem um negócio de impacto periférico e precisa de apoio? Entenda o que fazer

Se você busca apoio para o seu negócio de impacto se fortalecer e escalar, há algumas atitudes que podem ser tomadas.

Uma é apresentar o seu negócio à Kaleydos por meio deste formulário. A Kaleydos, iniciativa do Instituto Jatobás, é uma plataforma de investimento e desenvolvimento de soluções e negócios que contribuem com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Busca e seleciona startups de impacto em estágio inicial, alinhadas a um ou mais ODS, com potencial de viabilidade e escalabilidade, impacto socioambiental mensurável e modelos de negócios inovadores. Saiba mais aqui.

Outra é cadastrar a sua startup na Pipe.Social, a maior vitrine de negócios de impacto socioambiental do Brasil. Você ganhará visibilidade entre investidores, aceleradoras, marcas, fundações, governos, mentores, investidores anjo, mídias e potenciais parceiros.


Foto: “Buscando a Saída” (Jardim Ângela) Daniel Castanho em VisualHunt.com / CC BY-NC-ND